Haddad diz que medidas tributárias podem assustar em primeiro momento, mas governo foca em mais ricos
BRASÍLIA (Reuters) - O ministro da Fazenda, Fernando Haddad, disse nesta quarta-feira que medidas tributárias encaminhadas pelo governo podem assustar em um primeiro momento, ponderando que as iniciativas elaboradas nos últimos dias são focadas em demandar maior contribuição de pessoas com renda mais alta.
Em audiência pública na Câmara dos Deputados, que foi encerrada antes do previsto após tumulto entre parlamentares, Haddad afirmou que desde domingo, quando governo e parlamentares discutiram medidas de elevação de arrecadação, “muita gente” foi a Brasília para dizer que é injusto pagar imposto.
Em meio ao esforço do governo para negociar com o Congresso medidas arrecadatórias que possam compensar recuo em decreto recente que elevou alíquotas do IOF, ele defendeu que a adoção de medidas é necessária para que o "ciclo virtuoso" vivido pelo país, com crescimento econômico e geração de empregos, seja sustentável.
"Quando nós mandamos as medidas que nós mandamos, isso pode assustar num primeiro momento. Então eu sei que de domingo para cá muita gente veio a Brasília para conversar comigo, para conversar com vocês, para falar do quão injusto é pagar imposto de renda", disse.
"A medida provisória, exatamente como foi discutido, não entra em vigor agora, entre em vigor no ano que vem. Então, durante a sua tramitação, nós vamos poder calmamente explicar os números."
Após repercussão negativa do decreto que aumentou alíquotas do Imposto sobre Operações Financeiras (IOF), o governo negociou um pacote de medidas tributárias alternativas a serem propostas nos próximos dias por medida provisória e projeto de lei, incluindo uma taxação de investimentos hoje isentos e maior cobrança sobre "bets" e instituições financeiras, além de cortes de benefícios fiscais a empresas.
Na audiência, o ministro afirmou que a proposta de "reduzir um pouco" o benefício dado a títulos de dívida hoje isentos é necessária porque "nem o Tesouro Nacional consegue concorrer" com esses papéis incentivados.
Ele avaliou que o benefício dado a títulos desse tipo -- que incluem Letras de Crédito Imobiliário (LCI), Letras de Crédito do Agronegócio (LCA), Certificados de Recebíveis Imobiliários (CRI), Certificados de Recebíveis do Agronegócio (CRA) e debêntures incentivadas -- não chega integralmente aos setores, ficando "no meio do caminho", com os detentores dos papéis e o sistema bancário.
Para o ministro, menos de 1% da população será afetada por todas as medidas de equilíbrio fiscal e redução da renúncia tributária discutidas pelo governo.
Haddad ainda defendeu que sejam discutidas medidas de controle de gastos -- que ficaram de fora do pacote acordado e ainda dependerão de debate com parlamentares.
"Tem coisas que nós mandamos (no ado) que não foram objeto de apreciação ou foram colocadas de lado num primeiro momento por questões políticas que eu reconheço como legítimas. Não estou aqui querendo ser mais sabido, mas há distorções do orçamento que nós precisamos corrigir", afirmou.
Ao falar das distorções, o ministro citou o fato de haver 1,9 milhão de requerimentos de seguro defeso enquanto dados do governo apontam que o país tem apenas 300 mil pescadores artesanais.
Sem dar detalhes, Haddad disse que nos próximos dias deve sair uma decisão para compatibilizar decisões judiciais com critérios socioeconômicos dos bancos de dados do governo. Ele citou o Benefício de Prestação Continuada (BPC) como exemplo de despesa que cresceu fortemente por meio de decisões judiciais.
Na audiência, o ministro afirmou que o presidente da Câmara, Hugo Motta (Republicanos-PB), está querendo ajudar o Brasil, ressaltando que o deputado convidou o governo a discutir medidas estruturais de ajuste.
Mais cedo nesta quarta, Motta disse, no entanto, que o pacote de medidas anunciado pelo governo para compensar uma redução em alíquotas do IOF enfrentará "resistência" no Congresso, acrescentando que a apresentação de propostas que apenas elevam a arrecadação, sem cortes de gastos, "não funciona".
TUMULTO
A audiência pública também foi marcada por um embate entre Haddad e os deputados oposicionistas Nikolas Ferreira (PL-MG) e Carlos Jordy (PL-RJ), que criticaram a condução da política econômica do governo.
Haddad então disse que o fato de os deputados terem deixado a comissão antes de ouvir suas respostas se tratava de "molecagem", também criticando ações do governo do ex-presidente Jair Bolsonaro.
"Esse tipo de molecagem de Nikolas e Jordy, que correram do debate, não vai adiantar. Quem sabe eles apareçam aqui ou ouçam essa gravação", disse.
De volta ao colegiado momentos depois, Jordy e Ferreira pediram novamente a palavra e fizeram críticas ao ministro, desencadeando gritos entre parlamentares da base do governo e da oposição.
"Respeite o Parlamento, moleque é você", afirmou Jordy.
Um tumulto se instalou na comissão e a audiência foi encerrada pelo presidente do colegiado, deputado Rogério Correia (PT-MG), sem que todos os deputados inscritos tivessem feito questionamentos ao ministro.
"Um deputado, pensando em suas redes sociais, desrespeita um ministro, como já aconteceu com a Marina (Silva), hoje comigo. Faz a pergunta, fala o que quer, insinua coisas e simplesmente vai embora... imagina se eu fizesse o oposto", disse Haddad a jornalistas após o encerramento da audiência.
(Por Bernardo Caram)