'Minuta do Google', 'Bom dia para cavalo': as frases de hoje no STF

O STF (Supremo Tribunal Federal) ouviu hoje réus do "núcleo crucial" da trama golpista. Almir Garnier, Anderson Torres, Augusto Heleno, Jair Bolsonaro e Paulo Sérgio Nogueira de Oliveira foram interrogados pelos ministros do STF Alexandre de Moraes e Luiz Fux e pelo procuradora-geral da República Paulo Gonet.
Todos são acusados de cinco crimes: organização criminosa armada, tentativa de abolição violenta do Estado democrático de Direito, golpe de Estado, dano qualificado e deterioração de patrimônio tombado.
Bolsonaro teve o principal depoimento do dia. Inelegível, ele convidou o ministro Alexandre de Moraes para ser seu vice em 2026, fez defesa do voto impresso e comentou a apresentação da minuta de golpe. Leia as principais falas do ex-presidente durante o interrogatório.
O que disse Almir Garnier
O ministro Alexandre de Moraes questionou se o ex-comandante da Marinha havia colocado tropas à disposição do ex-presidente Jair Bolsonaro (PL) para o golpe e para a decretação da GLO (Garantia da Lei e da Ordem), ele negou.
Não ocorreu. Não houve deliberações, nem o presidente não abriu a palavra para nós. Ele fez as considerações dele, expressou o que pareciam para mim mais preocupações e análise de possibilidades do que propriamente uma ideia ou uma intenção de conduzir alguma coisa em uma certa direção.
O Estatuto dos Militares diz que a um subordinado é dado apenas o direito de pedir por escrito uma ordem que ele receba e considere flagrantemente ilegal. Então, até que isso aconteça, para mim, ilações, discussões... Eu vi aqui coisas como conversa de bar, Eu era o comandante da Marinha, eu não era assessor político do presidente. E eu me ative ao meu papel institucional.
Almir Garnier também foi questionado por Moraes sobre ser um dos participantes de uma reunião no dia 7 de dezembro de 2022, onde a minuta do golpe teria sido apresentada. Ele informou que foi convocado por Jair Bolsonaro para estar presente, com o intermédio do ministro da Defesa.
Nessa reunião havia vários assuntos, dentre os quais o principal era a preocupação que o presidente tinha, e que também era a nossa, das inúmeras pessoas que estavam insatisfeitas e se posicionavam em frente aos quartéis do Exército.
Houve uma apresentação de alguns tópicos de considerações que poderiam levar, não foi decidido isso naquele dia, à decretação de uma GLO ou de necessidades adicionais visando à segurança pública.
Eu não vi minuta, ministro. Vi uma apresentação na tela de um computador. Havia um telão, onde algumas informações eram apresentadas na tela. Quando o senhor fala minuta, eu penso em papel que lhe é entregue. Eu não recebi esse tipo de documento.
Questionado sobre a interferência de militares nas decisões de Jair Bolsonaro, Almir Garnier disse que achava "desnecessária" a assessoria política que o Brigadeiro Batista Júnior e o General Heleno prestavam ao ex-presidente.
Eu não era assessor do presidente, eu era o comandante da Marinha. Então, a mim só interessaria alguma coisa caso eu recebesse alguma ordem [de Bolsonaro], alguma orientação para agir de alguma maneira. Fora isso, eu preferia me manter calado, porque quem fala demais dá bom dia para cavalo.
O que disse Anderson Torres
Alexandre de Moraes leu o trecho de um diálogo entre Braga Netto e Anderson Torres em que eles se referiam à possibilidade de uma auditoria para modificar o resultado das eleições. "Não muda nada", dizia Braga Netto. "Depois que der merda, não", respondeu Torres.
O que eu disse foi que se perder a eleição, já era. Se perder a eleição, não há mais o que fazer. Foi isso que eu quis dizer. Claro que de uma forma aí mal-educada, mas o que eu quis dizer ali era exatamente isso, que nós precisávamos trabalhar para ganhar a eleição.
Anderson Torres também foi questionado sobre um celular que perdeu nos Estados Unidos, na véspera do 8 de Janeiro.
Naquele momento, acho que o momento mais duro da minha vida, eu com três crianças pequenas nos Estados Unidos, saí daqui como secretário de Segurança e saiu minha prisão no dia 10. Isso me deixou completamente transtornado, eu não tenho vergonha de falar. Perdi o equilíbrio completamente com aquela notícia da prisão. Três crianças pequenas, nos Estados Unidos, pela primeira vez, a realização de um sonho das crianças se tornou um pesadelo para mim. E, nesse contexto, eu acabei perdendo meu celular, perdi uns dólares, perdi... E isso foi muito ruim para a minha defesa, ministro. Como eu disse ao senhor, eu não tinha nada a esconder, tanto que cheguei aqui e forneci a senha da nuvem do celular para a Polícia Federal.
Eu fiquei bastante preocupado com a questão dos acampamentos. Até então, não havia tido nenhum ato violento, não havia tido nada, mas depois daqueles atos no centro de Brasília, a tentativa de invasão da sede da Polícia Federal e tudo aquilo que aconteceu ali no dia 12 [de dezembro de 2022], eu fiquei, no mínimo, cismado com aqueles acampamentos.
A verdade, ministro, não é a minuta do golpe. Eu brinco que é a minuta do Google, porque está no Google até hoje. Esse documento, ministro, foi entregue no meu gabinete, no Ministério da Justiça. Eu levava diariamente duas pastas para a minha residência, uma delas contendo a agenda do dia seguinte, eventuais minutas de discurso, coisas nesse sentido, e outra com documentos gerais que vinham no ministério. Eu realmente nem me lembrava dessa minuta, fui ver isso quando foi apreendido pela Polícia Federal, foi uma surpresa.
O documento era muito mal escrito, cheio de erros de português, de concordâncias, enfim, até o nome do tribunal que estava escrito lá estava escrito errado. Então, não é da minha lavra, não sei quem fez, não sei quem mandou fazer e nunca, nunca, nunca discuti esse tipo de assunto.
O que disse Augusto Heleno
É preciso entender que o GSI chegava a ter entre 900 e 1.000 servidores que vinham das mais diferentes origens, homens e mulheres. Então, não havia clima para fazer pregações políticas nem utilizar os servidores do GSI para atitudes politizadas. Então, isso não acontecia, eu não tratava disso no GSI.
Questionado sobre a sua participação na estruturação dos discursos sobre desinformação que tentavam descredibilizar o sistema eleitoral e as urnas eletrônicas, Augusto Heleno negou.
Não, eu não tinha nem tempo para fazer isso.
O que disse o ministro Alexandre de Moraes
Durante os interrogatórios, o ministro relator se referiu a um ditado chinês sobre a inexistência de coincidências. Ele recorreu ao ditado após Almir Ganier e Anderson Torres afirmarem que "coincidências" aconteceram antes dos desdobramentos do 8 de Janeiro.
No dia em que seria votada a emenda constitucional para introdução do voto impresso - pelo rosto do senhor, o senhor já sabe qual vai ser a pergunta - houve uma novidade: o senhor foi à Marinha, como comandante, entregar um convite ao Presidente da República com, salvo engano, três blindados. Isso foi entendido como uma pressão ao Congresso Nacional, porque foi exatamente no momento em que [o voto impresso] se debatia na Câmara dos Deputados e seria votado. Os chineses dizem que coincidências não existem. Teria sido uma coincidência, Almirante?
Depois, ao interrogar Anderson Torres, Moraes voltou a falar nas coincidências.
Vou repetir o que eu disse para o Almirante Garnier, apesar de perceber que ele não acredita no ditado chinês, que coincidências não existem, mas quero que o senhor também tenha a possibilidade de defesa aqui nesse momento, se quiser explicar. O senhor viajou na véspera do dia 8 [de janeiro de 2023], no dia 6 à noite. Como secretário de Segurança, o senhor se ausentou às vésperas do ataque violento, golpe armado, à sede dos Três Poderes. Foi uma coincidência, doutor?
O que disse Paulo Sérgio Nogueira de Oliveira
Como Bolsonaro, Paulo Sérgio Nogueira começou o seu depoimento pedindo desculpas a Alexandre de Moraes por declarações anteriores contra a Justiça Eleitoral, citadas pelo ministro antes da fala do réu.
Senhor ministro Alexandre Moraes, senhor ministro Luiz Fux, senhor doutor Paulo Gonet, inicialmente, presidente, eu queria me desculpar publicamente por ter feito essas colocações [contra o TSE].
Paulo Sérgio disse ainda que não mentia em seu depoimento e citou um lema militar que disse seguir.
E eu aprendi uma coisa lá na nossa escola-mãe, que é a Academia Militar das Agulhas Negras, para eu não esquecer: ser cadete, é cultuar a verdade, a probidade, a responsabilidade, e, falta uma, a lealdade.
O militar declarou que Bolsonaro ficou muito abatido após perder a eleição de 2022 para Lula.
Naquele período [após o pleito eleitoral em 2023], eu estive com o presidente Bolsonaro muitas vezes. Talvez tenha sido a figura mais presente desses 60 dias. Uns 20 dias eu estive vendo o presidente, porque o presidente, desde o término das eleições — eu vou fazer esse parêntese — realmente ficou abatido. Ficou pesaroso, depressivo, doente, e eu me preocupei com a saúde do presidente. Eu ia para lá, o Cid dizia para a gente, 'Quando vocês vêm para cá, ele se sente bem'. Eu tratei com os três comandantes, falei o seguinte: 'vocês três façam uma escalinha, um dia um vai, o outro vai depois, para poder conversar com o presidente, para ele melhorar'.
Paulo Sérgio Nogueira falou sobre como foi a reunião no dia 21 de maio, sobre a minuta do golpe, que teria sido apresentada pelo ex-ministro da Defesa de Bolsonaro. Moraes o questionou sobre as declarações do brigadeiro Baptista Júnior, testemunha no caso e que afirmou que deixou a reunião ao notar que se tratava de um documento que buscava um golpe de Estado.
Ministro, não me recordo [do momento em que Baptista Júnior deixou a reunião], ainda mais um diálogo longo desse, eu tinha que me lembrar. E podemos, oportunamente, se assim for, fazer uma acareação para a gente ver o que aconteceu ali.
Tive contato [com a minuta golpista] no dia 7 de dezembro, numa projeção de 'considerandos', em uma reunião com o presidente Bolsonaro. Depois, nada de minuta de golpe.
O que disse Braga Netto
Braga Netto deu a sua versão sobre um episódio relatado por Cid, no qual o ex-ajudante de ordens de Bolsonaro afirma que recebeu dinheiro do militar numa bolsa de vinho para rear aos acampamentos golpistas montados na frente de quarteis. O general negou que tenha entregue o dinheiro.
O Cid mesmo conta que ele veio atrás de mim e perguntou se o PL podia arrumar algum dinheiro. Era muito comum, porque quando o presidente Bolsonaro se candidatou, veio muito recurso, Então era comum outros políticos, através ou do presidente Valdemar, ou do próprio presidente Bolsonaro, ou de outras pessoas, pedirem para pagar contas de campanha atrasadas, dentro do previsto. O Cid veio atrás e perguntou, 'general, o PL pode conseguir algum recurso que nós estamos precisando?'. Na minha cabeça, tem alguma coisa a ver com campanha. Procura o Azevedo, procura o tesoureiro, que era o Azevedo. O Azevedo veio mais tarde pra mim e falou assim 'general, o dinheiro que o Cid quer, tá precisando, nós não temos amparo pra dar'. Então eu falei, então morre o assunto.
O general disse que Cid "faltou com a verdade" ao relatar um encontro dele com os coronéis Hélio Ferreira Lima e Rafael Martins de Oliveira. Cid afirma que, nessa ocasião, foram debatidas medidas para "neutralizar" autoridades em caso de golpe.
Eles chegaram, subiram, não me conheciam, queriam me conhecer por eu ser uma pessoa de certo renome, falaram amenidades porque a distância era muito grande, eu os recebi muito bem e saíram os três juntos (...) Então ele faltou com a verdade. Ele faltou com a verdade
Braga Netto também negou que a possibilidade de golpe tenha sido discutida dentro do governo.
Nunca ouvi falar em intervenção militar. Nunca ouvi falar. Essa palavra golpe apareceu na mídia. Nunca tinha ouvido falar isso dentro do palácio com o presidente Bolsonaro.