Centrão diz que Motta 'facilita demais', ele recua, e governo vê traição

O presidente da Câmara, Hugo Motta (Republicanos-PB), mudou de atitude em relação ao pacote de compensação de isenção do IOF (Imposto sobre Operações Financeiras) após pressão do centrão por "facilitar demais" para o presidente Lula (PT). Governistas falam em traição.
O que aconteceu
Motta decidiu colocar em votação na segunda a urgência para suspender o decreto. O movimento é considerado uma resposta política ao governo diante das insatisfações da Casa com a medida provisória enviada pelo Executivo e o atraso no pagamento das emendas parlamentares. Lideranças afirmaram que não há compromisso com a votação do projeto em si.
A decisão do presidente da Câmara surpreendeu membros do governo. A reação irritou o governo, e aliados já falam em desconfiança. No Planalto, interlocutores argumentam que uma pessoa "na sua posição" não pode voltar atrás de forma tão abrupta, desfazendo expectativas entendidas.
Pressionado, o presidente da Câmara não sustentou o acordo com o governo. A sinalização de um possível arranjo após uma "noite histórica", nas palavras de Motta, ao sair da reunião com o Senado e o ministro da Fazenda, Fernando Haddad, no último domingo, deu lugar a um discurso duro ao longo da semana e a indicação de um debate difícil na Casa sobre as novas regras do IOF.
Motta é acusado de "facilitar demais" para o governo. Na avaliação de aliados, a mudança no tom do presidente da Câmara é resultado da pressão que ele sofreu de setores do mercado e padrinhos políticos do centrão, como Ciro Nogueira (PP-PI), que são críticos às propostas do Executivo. Interlocutores dizem que ele aceitou muito fácil as alternativas apresentadas pela equipe econômica.
A mudança de Motta fez com que alguns deputados sentissem falta do antecessor, Arthur Lira (PP-AL). O alagoano era criticado pelo jeito "bruto", mas muito elogiado pela articulação nos bastidores, que incluíam emendas parlamentares e cargos, e por cumprir acordos. O deputado paraibano, por outro, é conhecido como alguém que gosta de dialogar, ouvir e buscar consenso, mas que precisa de "pulso firme" na hora de tomar decisões, na avaliação dos parlamentares.
Traição?
Governistas dizem que pautar a urgência, por exemplo, seria uma ação normal, não fosse a recepção de Motta nas discussões do tema. Interlocutores do Planalto e da equipe econômica dizem que ele se mostrou interessado e otimista nas duas reuniões de que participou com o Executivo para debater a reformulação da proposta. Lideranças que estiveram nos encontros afirmaram que o acordo pareceria encaminhado.
No Palácio, já se diz abertamente que ele não inspira confiança. Se governistas não chegam a usar a palavra "saudade" quando comparam com Lira, dizem que ele, "pelo menos", cumpria os acordos feitos "no fio do bigode" e, por isso, acabava sendo mais previsível. E por essa característica, o governo aceitou que o alagoano assumisse a relatoria de um dos projetos mais importantes para o Executivo: a isenção do IR (Imposto de Renda) para quem ganha até R$ 5.000 mensais.
"Foi muito rápido", reclamam governistas. Incomodados, eles provocam que a atitude mostraria, na verdade, uma fraqueza de Motta, que mudou "na primeira pressão".
Aliados acusam que, mais uma vez, cabe a Lula resolver. O presidente tem insistido em pacificar ao máximo a relação entre Executivo e Legislativo, lembrando a todos com frequência que o governo tem minoria no Parlamento. Publicamente, a ministra das Relações Institucionais, Gleisi Hoffmann, deve ir na mesma linha, mas aliados dizem que ela também não ficou satisfeita.