"Eles querem deliberadamente criar o caos": apoio de Israel a gangues de Gaza não surpreende a população
Os palestinos denunciaram durante meses e Israel agora reconhece oficialmente que arma e protege milícias opostas ao grupo Hamas na Faixa de Gaza. Uma delas é dirigida por um criminoso famoso na região, conhecido sob o nome de Yasser Abu Shabab. "O que há de errado nisso?", assumiu, sem rodeios, o primeiro-ministro israelense, Benyamin Netanyahu, em um vídeo publicado nas redes sociais. A situação não impressiona os palestinos.
Sami Boukhelifa, correspondente da RFI em Jerusalém
Facções criminosas vêm se propagando e agravando a desordem na Faixa de Gaza. A situação aterroriza ainda mais a população castigada por um ano e meio de bombardeios israelenses e pela fome que reina no enclave.
"Algumas pessoas estão atirando. Há um confronto entre gangues e não sei quem. Estou bloqueado", relata, ofegante e em pânico, Youssef, um pai de família palestino, em uma mensagem de voz compartilhada da Faixa de Gaza. Atrás dele, ouvem-se explosões, seguidas de intensas rajadas de tiros.
Atormentado pela falta de comida, como os dois milhões de habitantes de Gaza submetidos ao bloqueio da entrada de ajuda humanitária, Youssef conta que recentemente foi até um centro de distribuição de alimentos localizado entre Khan Yunis e Deir al-Balah, no sul do enclave, mas voltou apavorado para casa.
"Quase perdi a vida por um saco de farinha. É um milagre que eu tenha conseguido sair vivo", relata ele em uma segunda mensagem de voz, tentando recuperar o fôlego. "A situação ficou extremamente perigosa. A maioria das pessoas está armada. Não há policiais, não há mais leis. Eles saem com granadas, metralhadoras. É a lei do mais forte", diz o morador de Gaza.
Multiplicação de gangues criminosas
De fato, as facções criminosas se proliferam no enclave palestino. Elas matam, roubam a ajuda humanitária e a revendem a preços exorbitantes para a população encurralada.
"Compreendemos rapidamente que essas gangues estavam a serviço de Israel", diz, sem se identificar, um outro morador da Faixa de Gaza, por medo de sofrer represálias. "Elas [as facções] atuam dentro da mesma estratégia: tornar nossa vida impossível para nos forçar ao exílio", reitera.
Ele lembra que o governo israelense não esconde mais o objetivo de expulsar a população da Faixa de Gaza. Nos últimos meses, vários líderes políticos, entre eles, o próprio primeiro-ministro Benjamin Netanyahu apoiaram a ideia. "É uma limpeza étnica", sublinha a fonte anônima.
"Os israelenses perseguem e matam sistematicamente os combatentes palestinos, mas, curiosamente, esses outros membros de gangues criminosas circulam armados livremente pelas ruas de Gaza, sem serem incomodados. Ninguém os bombardeia", observa. "Israel quer deliberadamente criar o caos, quer nos matar de fome. Então recorrem a esses clãs de criminosos, liderados por Yasser Abu Shabab", conclui.
Um mercenário a serviço dos israelenses
Yasser Abu Shabab é o líder de uma milícia armada que opera em Rafah, no sul da Faixa de Gaza. Sua fama é conhecida pelos moradores do enclave. Antes do início da guerra com Israel, sob a istração do Hamas, ele estava atrás das grades por tráfico de drogas. No entanto, fugiu após um bombardeio que atingiu sua prisão.
"Israel utiliza agora essa estratégia: armar indivíduos como Yasser Abu Shabab para acabar com a autoridade do Hamas", afirma Hamed Qusay, professor da Universidade Al-Quds de Ramallah, na Cisjordânia. "A ascensão de Abu Shabab busca incentivar outros como ele a se levantar contra o Hamas na Faixa de Gaza", acrescenta.
Por outro lado, para esse especialista palestino, a manobra israelense, agora abertamente assumida, é um erro. "Esses grupos criminosos não são suficientemente poderosos para destronar o Hamas", avalia.