O estranho fenômeno dos bebês reborn
O estranho fenômeno dos bebês reborn - Mania das bonecas hiper-realistas se espalhou pelo Brasil. Não está claro por que, mas a relação com as redes sociais é evidente.Havia algo de estranho no casal que embarcou comigo, algumas semanas atrás, num voo de São Paulo para o México. A mulher, em torno dos 20 anos, carregava um bebê nos braços que aparentava dormir.
ei alguns minutos observando o bebê, que não se mexia. E que não se mexeu nem mesmo quando a mulher, que estava sentada atrás de mim, o embalou nos braços durante o voo.
Só algumas horas depois a ficha caiu para mim: era um bebê reborn. A expressão do rosto, a textura da pele, tudo levava a crer que se tratava de um bebê de verdade. Mas era uma boneca. Hiper-realista, mas boneca.
Difícil dizer se se trata de uma obra de arte hiper-realista ou de um pequeno Frankenstein. Desconfiei que a mulher levou o bebê junto para ter o prioritário ao voo. Vai saber...
Há quem diga que essas bonecas têm uma função terapêutica na superação de traumas. Elas já seriam usadas para isso nos Estados Unidos desde os anos 1990.
Para outros, elas parecem ser um objeto de coleção. Mas haveria também mulheres jovens que as utilizam para treinar para uma futura maternidade – eu, porém, não consigo entender como isso pode ser um treino para lidar com bebês de verdade.
Seja como for, a moda parece ter se espalhado pelo país. Na imprensa há relatos de encontros de mamães de bebês reborn, um deles no Parque Villa-Lobos, em São Paulo. Há clínicas onde o parto de uma criança é simulado com essas bonecas. Padres teriam rejeitado o batismo dessas "crianças" ou dar aulas de religião para elas. Em vez da Igreja, disseram, as mães deveriam procurar um psicólogo.
Paixão de infância reprimida?
Na Bahia, uma mulher processou o empregador porque este lhe negou a licença-maternidade. A negativa teria causado um profundo trauma psicológico nela por causa da relação forte que ela tem com a boneca, argumentou.
Há casos de casais que estão brigando pela guarda de um bebê reborn – ou pelas contas em redes sociais. Porque, ao que parece, mostrar a "vida" das bonecas em redes sociais é uma boa fonte de dinheiro.
Por que esse fenômeno estranho virou mania justamente no Brasil, e por que agora? Seria uma paixão de infância que foi reprimida pela pobreza e que uma mulher adulta poderia finalmente vivenciar? Seria uma maneira de superar a própria relação insatisfatória com os pais? Ou trata-se mesmo da superação de um trauma, seja de um sofrimento ado, seja o desejo não realizado de ser mãe?
Certo está que esse fenômeno tem uma relação com a popularidade das redes sociais. Nelas é possível dar plena vazão a sua paixão pelas bonecas e gerar muitos cliques e engajamento com vídeos onde elas aparecem. É o que se chama de criação de conteúdo. Há até mesmo casos de influenciadores que tiram onda dessa mania. Só que muitos não entendem o tom irônico dos vídeos, que acabaram viralizando.
Certo está também que as bonecas se encaixam no papel da mãe totalmente dedicada aos filhos que a sociedade brasileira determina às mulheres.
Dizem que o ser humano é um ser social. Enquanto ele for uma criança que depende de adultos, sem dúvida. Mas, quando paro para pensar no meu cotidiano, percebo que os avanços tecnológicos me tornam cada vez menos social.
Fuga para a vida virtual
O Whatsapp nos deu uma ferramenta para que possamos nos comunicar sem telefonar ou conversar. O IFood nos traz a comida sem termos de ir a um restaurante. Aceitamos de bom grado que a tecnologia torne nossos contatos sociais cada vez menos necessários, sem que para isso tenhamos de renunciar à realização dos nossos sonhos.
Isso também afeta nossa vida amorosa e afetiva. Já se fala em jovens que se apaixonaram por um avatar gerado por inteligência artificial: o parceiro ideal, que só existe como versão digital e é programado para atender perfeitamente a todas as nossas necessidades.
Fuga para a vida virtual porque a real se tornou muito estressante? Um casal de amigos está criando dois filhos pequenos – de carne e osso, é bom dizer. O estresse que isso lhes causa não é algo que alguém gostaria de ter. Seria bem mais fácil criar duas bonecas. Mas eu tenho minhas dúvidas de que isso fosse satisfazê-los.
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Thomas Milz saiu da casa de seus pais protestantes há mais de 25 anos e se mudou para o país mais católico do mundo. Tem mestrado em Ciências Políticas e História da América Latina e, desde então, trabalha como jornalista e fotógrafo para veículos como a agência de notícias KNA e o jornal Neue Zürcher Zeitung. É pai de uma menina nascida em 2012 em Salvador. Depois de uma década em São Paulo, mora no Rio de Janeiro há doze anos.
O texto reflete a opinião do autor, não necessariamente da DW.Autor: Thomas Milz