Onda de atentados na Colômbia revive fantasma da violência política
Onda de atentados na Colômbia revive fantasma da violência política - Recrudenciamento usa métodos de grupos que aterrorizaram o país na década de 90. Tentativa de assassinato de pré-candidato e ataques contra prédios públicos deixaram oito mortos.A onda de atentados que eclodiu no sudoeste da Colômbia nesta terça-feira (11/06) trouxe à tona memórias da rotina de violência armada que marcou o país nas décadas de 80 e 90, e escancarou a radicalização do debate político e falhas da política de "paz total" proposta pelo presidente Gustavo Petro.
Oito pessoas morreram e ao menos 62 ficaram feridas, entre civis e policiais, em 24 ataques que atingiram a região do município de Cali em apenas cinco horas. A região é cobiçada por grupos armados como um corredor estratégico para o tráfico de drogas.
A série de explosões de carros-bomba e granadas, além de rajadas de fuzil contra quartéis de polícia e prédios públicos, acontece três dias após o senador conservador e pré-candidato à presidência Miguel Uribe, de 29 anos, ser baleado nas costas em um ato político em Bogotá, a um ano das eleições. Opositor ferrenho de Petro, Uribe está em estado crítico em um hospital da capital.
Na ocasião, um adolescente de 15 anos foi preso. Em um vídeo verificado pela agência de notícias Reuters, o suspeito é visto tentando fugir do local enquanto grita que "fez isso pelo dinheiro, pela família".
As autoridades investigam a motivação do crime, mas o governo ite que o recrudescimento da violência repete o modo de operar que grupos guerrilheiros, paramilitares e cartéis usaram para aterrorizar a Colômbia no ado.
"É inaceitável que esta semana tenhamos voltado a 1989", disse o prefeito de Cali, Alejandro Eder ao jornal colombiano El Tiempo. Ainda que o uso de bombas não seja incomum em um país marcado pela disputa entre guerrilhas, este é o mais grave ataque aberto a uma figura política desde a violência que marcou a campanha presidencial de 1990.
Atentados em 1990
À época, três candidatos foram assassinados por grupos armados que tentavam influenciar a política nacional – Luis Carlos Galán, Bernardo Jaramillo e Carlos Pizarro, ex-líder do antigo M-19.
Outra vítima daquele ciclo foi Diana Turbay, jornalista sequestrada e morta pelo Os Extraditáveis, grupo ligado a Pablo Escobar.
Seu sequestro e o de outras figuras públicas foi usado como moeda de troca por Escobar para impedir a extradição de narcotraficantes para os EUA. Turbay, que era mãe do senador Miguel Uribe e filha do ex-presidente colombiano Julio César Turbay Ayala, também foi baleada nas costas, durante uma tentativa fracassada de resgate, e não resistiu.
Na década que se seguiu, ao menos 200 mil pessoas morreram assassinadas em ações deste tipo no país, segundo organizações de direitos humanos. Os ataques eram promovidos por cartéis, grupos paramilitares e guerrilhas.
Dissidência das Farc
O Ministério da Defesa atribuiu as explosões desta terça-feira ao Estado-Maior Central (EMC), a maior e mais poderosa facção das dissidências da antiga Farc, criada em 1964 e desmobilizada em 2017. A pasta avalia que os atentados seriam uma retaliação ao recente avanço militar na região de Cauca e Valle del Cauca, dois antigos epicentros do conflito armado colombiano.
O líder do EMC é Iva "Mordisco", o homem mais procurado do país. O governo de Gustavo Petro oferece uma recompensa de cerca de um milhão de dólares por sua captura.
Embora tenham circulado boatos sobre sua morte em diversas ocasiões, Mordisco continua liderando atos de terrorismo, narcotráfico, assassinatos e recrutamento forçado de menores. Ele ganhou notoriedade em 2016, quando se recusou a acatar o acordo de paz que desmobilizou a Farc.
Na região também atua o Exército de Libertação Nacional (ELN), herdeiro do paramilitarismo dos anos 60 e maior grupo guerrilheiro de esquerda em atividade no país.
Segundo o jornal colombiano El Tiempo, outros políticos que também devem concorrer a cargos públicos no ano que vem afirmaram que suas vidas correm perigo, como a jornalista Vicky Dávila, e o ex-prefeito de Medellín, Daniel Quintero. Petro determinou o reforço da segurança para autoridades do governo e líderes da oposição, e diversas autoridades cancelaram eventos de pré-campanha.
Professor de relações internacionais do Centro Universitário Curitiba e ator do livro Os Colombianos, Andrew Traumann avalia à DW que os ataques remontam a estratégias para afastar a polícia dos centros controlados pelo narcotráfico. EMC, ELN e o Clan del Golfo, grupos hoje bastante fragmentados, disputam o espólio dos cartéis de Cali e Medellín. "Essa é uma tática que as guerrilhas usavam nos anos 90, especialmente as próprias Farc, de usar bombas nos pequenos quartéis", afirma.
O fracasso da "paz total"
Traumann cita que as negociações de paz avançaram pouco ao longo dos anos, e diz que a chamada Justiça Especial para a Paz se revelou lenta para reintegrar guerrilheiros à sociedade, dando força aos grupos que se mantiveram ativos.
Desde que assumiu o governo, em agosto de 2022, Petro instituiu uma política de "paz total" com os grupos armados, incluindo as dissidências das Farc e o próprio ELN. O objetivo do presidente era estabelecer acordos como o que desmobilizou as Farc em 2016.
Os opositores de Petro, porém, o acusam de ser leniente com os rebeldes e afirmam que as organizações se fortaleceram por causa disso. Diversos grupos tentam ocupar os territórios deixados pelas Farc, principalmente no interior do país.
Em janeiro, por exemplo, o ELN e dissidentes das Farc deflagraram um conflito armado no nordeste do país, matando 100 pessoas, a maioria civis. Petro suspendeu as negociações com os guerrilheiros e reativou ordens de prisão contra lideranças do ELN, que haviam sido derrubadas em 2022.
Segundo a ONU, só entre janeiro e abril de 2025, quase 1 milhão de pessoas foram afetadas direta ou indiretamente pela violência armada no país, número quatro vezes maior que no ano anterior. O Comitê Internacional da Cruz Vermelha (CICV) classificou o momento atual como a pior crise humanitária desde 2016 e a Human Rights Watch registrou um aumento de mais de 20% nos homicídios e quase 35% nos sequestros desde então.
"O que por muitos anos foi o discurso de grupos violentos e sanguinários tornou-se a linguagem oficial. [...] A sociedade colombiana está se aproximando de seus limites de tolerância, que, se rompidos, podem levar à guerra civil", escreveu a Arquidiocese de Bogotá em um boletim nesta semana.
Polarização inflama debate
Os embates inflamam o discurso político já polarizado e o cerco contra Petro, que não disputará a reeleição em 2026, proibida pela lei colombiana.
Petro é o primeiro presidente de esquerda a chegar ao poder no país, após anos de alternância entre partidos de direita. Sua eleição marcou uma virada também na forma de conduzir a relação entre os Poderes, que pressionam contra reformas propostas por ele.
"Gustavo Petro já falhou na 'paz total', ela não será alcançada. Essa onda de violência que tem voltado à Colômbia nos últimos anos e que tem lembrado os anos 90, embora não com a mesma intensidade, tem fortalecido os grupos que são a favor da punição, e não um acordo. De voltar a uma guerra total contra as Farc", diz Traumann.
Na última segunda-feira, o presidente tentou reunir os partidos para discutir medidas de segurança visando as eleições do próximo ano, mas nove legendas boicotaram o encontro. A oposição acusa Petro de incitar o ódio contra quem não o defende, o que teria levado à tentativa de assassinato de Uribe, uma das vozes mais eloquentes contra o presidente.
O advogado do senador afirmou que ele havia solicitado maior proteção diversas vezes. No momento do crime, ele estava acompanhado de dois seguranças.
"Em uma democracia, o debate se constrói com base no respeito e com argumentos, não com mentiras nem com insultos", afirmou em nota o partido de direita Cambio Radical, um dos que se recusaram a comparecer à reunião com Petro.
Reforma trabalhista como pano de fundo
A crise na segurança ocorre sob o pano de fundo de uma disputa encampada por Petro no Legislativo para tentar aprovar uma reforma trabalhista – a Colômbia não garante tantos direitos trabalhistas como a lei brasileira.
Depois de o Senado derrubar o texto da proposta, o presidente, por decreto, ordenou uma consulta popular para o eleitorado decidir se apoia a reforma, que, em tese, já não poderia mais ser aprovada. Ele chegou a suspender a medida por algumas horas após o atentado contra Uribe, mas retomou a proposta e ainda deve participar em Cali de uma mobilização popular pela realização da consulta.
A oposição acredita que o movimento é ilegal e recorreu às instâncias internacionais para garantir transparência no processo eleitoral diante da "hostilidade do Executivo", uma alternativa vista pelo governo como forma de minar o apoio popular a Petro.
Em análise publicada no jornal colombiano El Espectador, o jornalista Andrés Hoyos avalia que o tiro contra Uribe "era o que faltava" para que "as ameaças contra o Estado de direito, que poderiam causar danos permanentes às instituições colombianas, se tornassem realidade."
(efe, ap, reuters, ots)
Autor: Gustavo Queiroz (com EFE, Reuters)