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Câmeras mostram PMs comemorando morte de homem que estava com bebê no colo

do UOL

Do UOL, no Rio

06/06/2025 17h06

Imagens de câmeras corporais de policiais militares da Rota (Rondas Ostensivas Tobias de Aguiar) que atuaram na Operação Escudo, em julho de 2023, na Baixada Santista, obtidas com exclusividade pelo UOL, mostram PMs comemorando a morte de um homem que estava com seu filho recém-nascido no colo no momento da abordagem.

O que aconteceu

Ação foi realizada na favela Sítio Conceiçãozinha, no Guarujá. O ajudante de calceteiro Cleiton Barbosa Moura, 24 anos, foi morto ao ser baleado por policiais da Rota na noite de 29 de julho daquele ano, dois dias depois do assassinato do soldado Patrick Bastos Reis -que impulsionou a operação, finalizada com 28 pessoas mortas em 40 dias. Investigação do UOL mostrou que Cleiton tinha acabado de se mudar, com a mulher e o filho recém-nascido, para uma casa de palafita no local. A investigação sobre a morte foi arquivada a pedido do MP (Ministério Público).

Cleiton Barbosa Moura, morto pela PM no Guarujá durante a Operação Escudo - Luís Adorno/UOL - Luís Adorno/UOL
Cleiton Barbosa Moura, morto pela PM no Guarujá durante a Operação Escudo
Imagem: Luís Adorno/UOL

Câmeras corporais mostram policiais celebrando. As imagens mostram dois carros da Rota estacionados na principal via de o do Sítio Conceiçãozinha. Os PMs conversavam de pé, na calçada, quando receberam a informação de que Cleiton havia sido morto. Um dos policiais comemorou: "Acabou de chegar! Um indivíduo! Até que enfim, hein! Joga aí na rede, joga no grupo. Aê! Agora, sim!"

"Guerra é guerra. Foram mexer com o sistema, né? O sistema é bruto." Um dos PMs disse que os policiais tinham que "aproveitar o final de semana [para matar]", enquanto a equipe vespertina da Rota estava de folga: "vai estourar o quê? Quatro [mortos]? Três já? Por enquanto. É que a [equipe] noturna não tem QAP/QRV [à escuta/às ordens] hoje, acho que eles estão de folga. E ainda tem eles hoje, os caras vai vir [sic] com força total. Os caras não vai [sic] deixar barato. Tipo assim, ó: foda-se. Foda-se."

Agente relembrou crimes de maio de 2006. Um dos PMs relembrou o maio violento que São Paulo teve em 2006, quando o PCC (Primeiro Comando da Capital) fez um ataque às forças de segurança pública, que matou 59 agentes públicos, e que gerou uma resposta violenta nos dias seguintes, com 505 civis mortos a tiros em 10 dias. "Sabe o que vai ser pior? Hoje vai acabar. Eles vão cortar. É que nem 2006, mano. Quem matou, matou. Quem não matou, não vai matar mais", lamentou o PM durante a conversa no Sítio Conceiçãozinha.

A vítima

Investigação do UOL mostrou que Cleiton havia ado o último ano de vida trabalhando, com carteira assinada, como ajudante de calceteiro, recebendo salário mensal de R$ 1,7 mil. Demitido três meses antes de ser morto, ainda recebia seguro-desemprego quando foi assassinado. Casado e com um filho recém-nascido, revezava com a mulher os dias de trabalho desde então: em um dia, ele trabalhava com bicos de ajudante de pedreiro; no outro, ficava em casa cuidando do filho, enquanto a mulher saía para trabalhar com reciclagem.

Testemunha dá detalhes da abordagem. "Quando eles [policiais] chegaram em todos os becos, desceram da viatura, já foram invadindo as casas. Aí encontraram o Cleiton na entrada da casa dele. Como ele tava com a criança no colo, ele entrou", disse uma vizinha à reportagem no local dos fatos. A testemunha também afirmou que, primeiro, alguns policiais entraram no barraco. Depois, todos os demais policiais também entraram no local.

Pegaram a criança do colo dele, entregaram para outra criança, maiorzinha, que estava perto, aí pegaram ele [Cleiton] pela parte do gogó e arrastaram ele até uma parte do beco, que dá saída para a maré. Lá, mataram o rapaz.
Vizinha de Cleiton

Todas as testemunhas negam que tenha ocorrido troca de tiros. Cleiton havia sido preso por tráfico de drogas em 2020, mas cumpria a sentença em regime semiaberto fazendo serviço comunitário, segundo familiares entrevistados pela reportagem. "Foi um massacre mesmo, para matar. Vieram para mostrar que iam matar todos que tinham agem. Eles deixaram isso bem claro", afirmou outra vizinha que disse ter presenciado Cleiton ser arrastado de dentro de casa.

Outro lado

O que disse a PM sobre a morte de Cleiton. Segundo a versão da polícia, Cleiton fugiu de casa e atirou contra os policiais antes de ser abordado: "a equipe correu atrás deste indivíduo e houve um confronto. No início do confronto, durante a tomada de ângulo, o indivíduo, que já estava de arma em punho apontando para os policiais, em dado momento, efetuou disparos contra estes policiais que repeliram injusta agressão com o intuito de preservar a integridade da equipe."

O que diz a SSP (Secretaria da Segurança Pública) sobre a comemoração feita pelos policiais. Em nota, a pasta afirmou que o caso foi investigado pelas Polícia Civil e Militar, que não compactua com desvios de conduta e que pune os que não obedecem aos protocolos da corporação. "A Polícia Militar reafirma seu compromisso com a legalidade, transparência e proteção da vida", enfatizou a secretaria.

Pedidos de entrevista com secretário Guilherme Derrite e com o comandante da PM, o coronel José Augusto Coutinho, não foram atendidos. Também em nota, a SSP afirmou que "todos os casos de mortes decorrentes de intervenção policial são rigorosamente apurados, com acompanhamento das Corregedorias, do Ministério Público e do Poder Judiciário. Além disso, são instauradas comissões de mitigação de riscos, que analisam as ocorrências a fim de identificar eventuais não conformidades".

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