Proposta de cortes de gastos ao Congresso

Já discuti, na coluna da semana ada, os efeitos esperados do decreto do IOF (Imposto sobre Operações Financeiras). Trago a reflexão, desta vez, sobre o rompante fiscalista que parece ter acometido as lideranças do Congresso. Sendo a disposição por cortes de gastos genuína, caberia, então, discutir sugestões para esse ajuste fiscal imaginado.
Vamos partir da seguinte premissa: para 2025, não há muito mais o que fazer. Além disso, nas minhas contas, o resultado primário mínimo já está garantido, após o anúncio de contingenciamento e bloqueio de despesas, pela Fazenda, no montante de R$ 31,3 bilhões. Não seria, portanto, o principal problema, vamos dizer assim.
Para 2026 e 2027, podemos partir do cenário do PLDO (Projeto de Lei de Diretrizes Orçamentárias), enviada em abril ao Congresso Nacional, para tecer algumas avaliações e, em seguida, apresentar propostas. No PLDO, nas Tabela 4, 6 e 7 do Anexo IV (Metas Fiscais), obtêm-se as seguintes informações, além das que vou agregar:
1) A projeção para a receita primária líquida é de R$ 2,577 trilhões. Se confirmada, representaria um crescimento real ao redor de 6,5% em 2026.
2) As despesas primárias estão estimadas em R$ 2,594 trilhões, uma alta real frente a 2025 da ordem de 3,5%.
3) Assim, o resultado primário previsto no PLDO é de -R$ 17 bilhões, em números arredondados.
4) A meta fiscal é um superávit primário de 0,25% do PIB ou R$ 34,3 bilhões, nas contas do PLDO.
5) No ano que vem, há R$ 55 bilhões em precatórios a serem desconsiderados para fins de verificação da meta fiscal. Logo, -R$ 17 bilhões + R$ 55 bilhões = R$ 38 bilhões. Isto é, a meta exposta no item anterior seria cumprida com folga.
6) No PLDO, também se apura que a despesa discricionária (não obrigatória) é estimada em R$ 208,3 bilhões. Observe que esse volume representa 8% da despesa primária total acima destacada. Naturalmente, 92% são obrigações puras.
7) Deste total de R$ 208,3 bilhões em despesas discricionárias, as emendas parlamentares representam R$ 52,9 bilhões. Destas, R$ 40,8 bilhões em emendas individuais e de bancada estadual e R$ 12,1 em emendas de comissão.
8) Parte dos gastos com o piso constitucional da saúde e da educação também ocupa espaço das discricionárias. Isso porque a execução de obrigatórias não é suficiente para atingir os percentuais mínimos de gastos nessas áreas, calculados em cima da receita. São estes os gastos discricionários (muito embora, obrigatórios, já que inescapáveis): R$ 47 bilhões para a saúde e R$ 25,2 para a educação.
9) Assim, restarão, em discricionárias de fato, isto é, aquelas que realmente estariam à disposição para custear a máquina, pagar bolsas de pesquisas, financiar investimentos em infraestrutura e dar conta de todo o gasto corrente não obrigatório, apenas R$ 83,1 bilhões. Em percentual do gasto primário total: 3,2%.
10) Para 2027, elaborando os mesmos raciocínios, sempre a partir do PLDO, o número de discricionárias livres, chamemos assim, cairia de R$ 83,1 bilhões para um valor negativo, de R$ 10,9 bilhões, ou seja, uma "despesa negativa". Isso quer dizer, em bom português: quebradeira, paralisação ou, no termo bonito usado pelos economistas, o famigerado "shutdown".
O problema da análise acima é que, já não fosse suficientemente catastrófica (e, vejam, usando-se os números do próprio governo), está incompleta. A receita líquida não vai crescer 6,5% acima da inflação. Dificilmente, esse desempenho se verificará, porque a economia crescerá parcos 2,5%, segundo a própria proposta do governo. A base sobre a qual esse número foi calculado também estava inflada, pois a projeção de receita de 2025 era maior do que a apresentada no relatório bimestral de 22 de maio.
O ponto, aqui é que o número para a receita do PLDO me parece bastante alto. Mesmo problema que havia para 2025 e, corretamente, o governo resolveu no referido relatório. A saber, na divulgação do último bimestral, a projeção de receita líquida foi revisada para baixo em R$ 42 bilhões.
Tomando por base projeção mais realista, em torno de R$ 2,500 trilhões, digamos, para a receita líquida de 2026, cerca de R$ 77 bilhões inferior à do PLDO, é possível entender o tamanho do problema, sobretudo com a eventual reversão "solteira" da medida do IOF. Também a despesa deve ser um pouco mais alta do que a estimada pelo governo, diferença na casa de R$ 10 bilhões.
Com receita menor e despesa mais elevada, o resultado primário não seria estimado em -R$ 17 bilhões, mas, sim, em -R$ 104 bilhões. Descontando-se os R$ 55 bilhões em precatórios para fins de verificação da meta, o déficit resultante seria de R$ 49 bilhões. A nova conta está distante da meta de superávit de 0,25% do PIB (ou R$ 34,3 bilhões) em R$ 83,3 bilhões.
Como o limite inferior da meta do ano que vem é igual a zero, o desequilíbrio acima calculado, operando no fio da navalha, seria de R$ 49 bilhões. Cifra bastante polpuda, sobretudo se a tesourada tiver de recair nas despesas discricionárias espremidas que mostrei acima.
Minha percepção é de que o IOF não seria suficiente para fechar essa conta, mas ajudaria bem. Possivelmente, renderia arrecadação adicional, no ano que vem, de algo como R$ 25 bilhões a R$ 30 bilhões. Faltariam, então, cerca de R$ 20 bilhões. Sem o IOF, vão faltar os quase R$ 50 bilhões mencionados.
A pergunta que se coloca é: a) vão obrigar à paralisação da máquina pública, com um corte de R$ 50 bilhões numa discricionária livre de R$ 83,1 bilhões; b) alterarão a meta fiscal; ou c) promoverão medidas de ajuste à altura do desafio?
O Congresso demonstrou certo rompante fiscalista, como tenho dito, em reação à medida do IOF, dizendo que sustará o decreto presidencial, por meio de um projeto de decreto legislativo. Não se sabe o que proporá no lugar, até este momento. Em paralelo, deu prazo de dez dias para a Fazenda apresentar medidas a substituir os efeitos da alta do IOF.
É um tanto peculiar esse modus operandi. Feitas as ressalvas de mérito quanto à medida do IOF, caberia perguntar: o Congresso, nos últimos dois anos e meio, para ficar no período mais recente, colaborou de que maneira, exatamente, com o ajuste fiscal?
O Congresso aprovou uma renegociação de dívida dos estados com efeito fiscal de 2,5 pontos de percentagem do PIB sobre a dívida, em um horizonte de longo prazo; derrubou o veto presidencial à desoneração da folha, espetando uma fatura de R$ 25 bilhões no Tesouro, sem mostrar a conta e a compensação adequada; turbinou as emendas parlamentares e criou dinâmica permanente de aumento desses gastos para os próximos anos, por meio de correção real. Isso para citar alguns casos emblemáticos.
Espera-se, desta vez, que a disposição pelo ajuste fiscal seja real. Há muito espaço para medidas importantes. Vou listar algumas, apenas a título de sugestão, buscando ser exaustivo na elaboração do cardápio:
1) Acabar com as vinculações constitucionais da saúde e da educação, estabelecendo correção pela inflação, como já vigorava até 2022.
2) Retirar o salário-mínimo da condição de indexador da Previdência Social e de gastos sociais.
3) Reduzir à metade as emendas parlamentares e retomar o nível histórico das emendas de comissão.
4) Cortar 10%, linearmente, dos gastos tributários atuais, considerada a estimativa do Demonstrativo de Gastos Tributários (DGT) que acompanhou a proposta orçamentária de 2025.
5) Além do corte linear no total geral de gastos tributários, acabar com o abatimento de gastos médicos e despesas com saúde em geral no Imposto de Renda das Pessoas Físicas.
6) Reduzir à metade o orçamento anualizado do Plano Safra.
7) Cortar pela metade o orçamento de todos os subsídios e subvenções, incluídas as equalizações de juros.
8) Encerrar todos os fundos orçamentários e extraorçamentários, com impacto sobre a dívida pública, direto ou indireto, e resgatar os recursos em favor do Erário.
9) Bloquear reajustes salariais em andamento.
10) Estabelecer o teto constitucional para todos os salários, vantagens, pagamentos e remunerações pagos no âmbito de todos os Poderes.
O Congresso bancaria ao menos três itens dessa lista? Duvido.