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Consumo aquecido dificulta combate à inflação e BC pode ter que adiar corte de juros

30/05/2025 13h26

Por Camila Moreira

SÃO PAULO (Reuters) - Dados sobre a economia brasileira evidenciaram nesta sexta-feira que a demanda e o consumo foram robustos no primeiro trimestre, tendência que, se mantida, pode dificultar o esforço do Banco Central para conter a inflação, adiando um corte na taxa de juros, que está no maior patamar em quase 20 anos.

Com a taxa Selic em patamar restritivo, analistas de forma geral afirmam que a tendência é de a atividade perder força gradualmente ao longo do ano, dada a defasagem dos efeitos do aperto da política monetária. No entanto, em meio a um mercado de trabalho que segue firme e a perspectiva de o consumo continuar forte, a dúvida é quando uma desaceleração abrirá espaço para uma redução do aperto pelo BC.

"Se chegar na metade do ano e os indicadores de atividade econômica continuarem sinalizando a fortaleza da economia que tem hoje, aí é uma sinalização de mais tempo de taxa de juros elevada", afirmou Tatiana Pinheiro, economista-chefe da Galapagos Capital, que hoje prevê mais uma elevação dos juros em junho, e um primeiro corte em dezembro, em cenário que pressupõe desaquecimento da atividade.

"Acho que o limite para ver sinais de constante desaceleração da economia é o começo do segundo semestre", acrescentou.

O Produto Interno Bruto (PIB) do Brasil expandiu 1,4% no primeiro trimestre na comparação com os três meses anteriores, com destaque para o desempenho da agropecuária, mostraram dados do IBGE nesta sexta-feira.

O dado geral veio em linha com o esperado por economistas, mas chamaram a atenção de analistas o aumento de 1,0% das despesas das família, refletindo um mercado de trabalho aquecido e aumento da renda, e o crescimento de 5,9% das importações de bens e serviços, indicando demanda forte.

"Temos o BC aumentando os juros de um lado, tentando frear a economia, e tem governo de outro lado aumentando programas de transferência de renda, tentando fazer com que o consumo continue em patamar forte. Isso atrapalha o papel do BC", disse Antonio Ricciardi, economista do Departamento de Pesquisa Econômica do Banco Daycoval.

Ele destacou o novo programa de crédito consignado do governo, que pode estimular o consumo, e o pagamento em julho de R$70 bilhões de precatórios. Há ainda medidas do governo como uma medida provisória para ampliar o público da tarifa social de energia elétrica e uma iniciativa sobre o Vale Gás, visando impulsionar a popularidade do presidente Luiz Inácio Lula da Silva.

No início do mês o Banco Central elevou a taxa básica de juros Selic a 14,75% ao ano, deixando em aberto o que fará na reunião de junho, mas indicando a necessidade de uma dose alta de juros por período prolongado. As projeções do BC apontam para uma inflação medida pelo IPCA de 4,8% este ano e 3,6% em 2026 -- em ambos os casos, bem acima da meta central de 3%.

Recentemente, o presidente do BC, Gabriel Galípolo, defendeu a manutenção da Selic em nível "bastante restritivo" por "bastante tempo".

Economistas consultados pela autarquia no mais recente relatório Focus esperam que a Selic seja mantida no patamar atual até janeiro, quando haveria um primeiro corte de 0,25 ponto.

"Com a Selic a 14,75%, o ciclo de alta acabou. Não me parece que o BC tende a aumentar (os juros) mas, dada a conjuntura, talvez demore mais a cortar", disse Ricciardi. "Vemos um corte só no primeiro trimestre de 2026, mas isso vai depender da dinâmica da economia e dessa surpresa do consumo das famílias."

Rafaela Vitoria, economista-chefe do Inter, disse ver a Selic mantida em 14,75% "pelo menos até o final do ano".

"Vemos claramente um erro da política econômica de manter esse estímulo do consumo em cenário que não tem oferta. Boa parte do consumo tem sido atendido por importação, o que deteriora as contas externas, e novos estímulos não agregam para um crescimento mais sustentável da economia", avaliou.

"Temos o cenário base em que a execução fiscal seria mais disciplinada e o BC poderia cortar a partir de dezembro, mas vemos riscos para esse cenário. Os riscos são novos estímulos fiscais."

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