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Palestinos correm para centro de ajuda apoiado pelos EUA, apesar de preocupações com triagem

27/05/2025 21h02

Por Nidal al-Mughrabi

CAIRO (Reuters) - Milhares de palestinos correram nesta terça-feira para um local de distribuição de ajuda humanitária em Gaza, operado por uma fundação apoiada pelos Estados Unidos e por Israel, com o desespero por alimentos superando a preocupação com os controles biométricos e outras verificações que Israel disse que faria.

A Fundação Humanitária de Gaza (GHF, em inglês) disse que distribuiu cerca de 8.000 caixas de alimentos, o equivalente a 462.000 refeições, após 11 semanas de bloqueio israelense ao enclave devastado pela guerra.

Na cidade de Rafah, no sul do país, que está sob total controle do Exército israelense, milhares de pessoas, incluindo mulheres e crianças, algumas a pé ou em carroças puxadas por burros, aglomeraram-se nos locais de distribuição da fundação para receber pacotes de alimentos.

Vídeos -- alguns deles não puderam ser verificados imediatamente pela Reuters -- mostraram filas de pessoas ao longo de um corredor sem arame até um grande campo aberto onde a ajuda estava empilhada. Mais tarde, imagens compartilhadas nas mídias sociais mostraram grandes trechos da cerca derrubados enquanto as pessoas se acotovelavam para chegar ao local.

Israel e a GHF disseram, sem fornecer provas, que o Hamas, grupo militante dominante de Gaza, tentou impedir que os civis chegassem ao centro de distribuição de ajuda. O Hamas negou a acusação.

Mais tarde, nesta terça-feira, o escritório de mídia do Hamas acusou os militares israelenses de matarem pelo menos três palestinos e ferir outros 46 perto de um dos locais de distribuição, enquanto sete pessoas continuavam desaparecidas. Um porta-voz da GHF disse que a informação do Hamas era "totalmente falsa".

A fundação disse que, em determinado momento nesta terça-feira, o número de pessoas que buscavam ajuda era tão grande que sua equipe teve que recuar para permitir que as pessoas "pegassem a ajuda com segurança e se dissiem", e para evitar vítimas. A empresa disse que não houve vítimas, ninguém abriu fogo e as operações normais foram retomadas mais tarde.

Não houve comentário israelense imediato sobre a alegação do Hamas. Mais cedo, o Exército israelense disse que suas tropas dispararam tiros de advertência na área externa do complexo e que o controle foi restabelecido.

Um porta-voz da ONU afirmou que as imagens do incidente são "de partir o coração".

TRIAGEM

A fundação iniciou as entregas de ajuda na segunda-feira, mas os palestinos parecem ter dado ouvidos aos avisos, inclusive do Hamas, sobre os procedimentos de triagem biométrica empregados nos locais de distribuição de ajuda da fundação.

"Por mais que eu queira ir porque estou com fome e meus filhos estejam com fome, estou com medo", disse Abu Ahmed, de 55 anos, pai de sete filhos.

"Estou com muito medo porque disseram que a empresa pertence a Israel e é mercenária, e também porque a resistência (Hamas) disse para não irmos", afirmou, em uma mensagem via WhatsApp.

Israel disse que suas forças não se envolverão na distribuição de ajuda nas instalações da GHF.

Mas o endosso de Israel e dos EUA ao plano levou muitos a questionar a neutralidade da fundação, incluindo seu próprio ex-chefe, que se demitiu inesperadamente no domingo.

Os militares israelenses disseram que quatro locais da GHF foram estabelecidos. Um deles está atualmente distribuindo ajuda, e um outro está recebendo estoque, disse a GHF.

Autoridades israelenses disseram que uma das vantagens do novo sistema de ajuda é a oportunidade de examinar os beneficiários para excluir qualquer pessoa que esteja ligada ao Hamas.

Em guerra com o Hamas desde outubro de 2023, Israel acusa o grupo de roubar suprimentos e usá-los para consolidar sua posição. O Hamas nega as acusações.

Grupos humanitários informados sobre os planos da fundação dizem que qualquer pessoa que tenha o à ajuda terá que se submeter à tecnologia de reconhecimento facial que muitos palestinos temem que acabe em mãos israelenses para ser usada para rastreá-los e, potencialmente, atingi-los.

Os detalhes do funcionamento do sistema não foram divulgados.

BOICOTE

As Nações Unidas e outros grupos de ajuda internacional boicotaram a fundação, que, segundo eles, enfraquece o princípio de que a ajuda humanitária deve ser distribuída independentemente das partes em um conflito, com base na necessidade.

"A assistência humanitária não deve ser politizada ou militarizada", disse Christian Cardon, porta-voz principal do Comitê Internacional da Cruz Vermelha.

Em Nova York, o porta-voz da ONU, Stéphane Dujarric, disse a jornalistas que a ONU e seus parceiros têm um plano sólido "para levar ajuda a uma população desesperada" e que Israel ainda estava permitindo a distribuição de alguma ajuda, mas com muitos obstáculos.

Os militares israelenses disseram em um comunicado que 400 caminhões de ajuda humanitária estavam esperando em Gaza para serem distribuídos, mas que a ONU ainda se recusava a "fazer seu trabalho".

Em uma declaração no final desta terça-feira, a World Central Kitchen, com sede nos EUA, disse que embora Israel tenha permitido que alguns de seus caminhões entrassem na agem de Kerem Shalom para Gaza, a ajuda estava sendo retida na fronteira.

Com a retomada de um pequeno fluxo de ajuda, as forças israelenses -- agora no controle de grande parte de Gaza -- mantiveram os ataques a vários alvos no enclave, matando 3.901 palestinos desde que o cessar-fogo de dois meses foi interrompido em meados de março, de acordo com o Ministério da Saúde de Gaza.

No total, mais de 54.000 palestinos foram mortos na guerra aérea e terrestre de Israel, segundo as autoridades de saúde de Gaza. Ela foi lançada após um ataque transfronteiriço liderado pelo Hamas em 7 de outubro de 2023, que matou cerca de 1.200 pessoas e fez 251 reféns em Gaza, de acordo com registros israelenses.

(Reportagem de Nidal al-Mughrabi; redação de Nidal al-Mughrabi e Matt Spetalnick; reportagens adicionais de Emma Farge em Genebra, Alex Cornwell e Emily Rose em Jerusalém, Michelle Nichols em Nova York)

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